Rafting

Após alguns dias de ali ter chegado já estava mais farta que outra coisa. Não conseguia fazer amigos, era quase como se ainda estivesse naquele hospício horrendo, pintava e lia o dia inteiro. Levantei-me da cama decidida a fazer uma grande caminhada, coisa que eu adorava e me tinha sido tirada quando tinha sido enviada para lá. Vesti umas calças pretas e uma blusa larga cinzenta. Penteei o meu cabelo preto deixando-o emoldurar-me a cara e saí. Fui andando e andando até que acabei por chegar a uma espécie de cascata. Despi-me, deixando a minha roupa pousada ao meu lado e sentei-me numa das rochas deixando o sol queimar-me a pele demasiado branca. Conseguia sentir os salpicos da água que embatia nas rochas acariciarem-me as pernas. Suspirei e apoiei as duas mãos na rocha fazendo força. Desci o meu corpo um pouco até os pés tocarem na água e deixei-me cair.

Estacionei o jipe, pronto para inspecionar o campo. Após alguns minutos a observá-lo, percebi que de campo de tropa não tinha nada. Suspirei fortemente acabando por desistir da ideia de ficar ali. Ao contornar o campo, passei por algumas árvores que levavam até uma cascata. Desviei o meu olhar da mesma e quando pensei ter visto algo a mexer, olhei outra vez e arregalei os olhos vendo alguém prestes a cair. Parei e sai do jipe, correndo de encontro à pessoa. Cheguei e perdi-a de vista, mas quando vi o seu vulto debaixo de água mergulhei sem me preocupar com a roupa e fui em sua busca.

Senti a água gelada molhar-me o corpo, parecia que facas estavam a ser espetadas em mim. Deixei de mexer os pés e as mãos e deixei-me ir ao fundo abrindo os olhos. Conseguia ver algumas plantas aquáticas e vários peixinhos a passarem por mim. A certa altura comecei a sentir a falta do ar e a minha visão ficar turva. Fechei os olhos e esperei que tudo aquilo acabasse.

Vislumbrei o seu corpo morto na água. Agarrei no mesmo e puxei-o para cima, mas algo estava a prendê-lo. Retirei do bolso a minha navalha e cortei a alga que estava a aprisionar o corpo, que pelo que parecia, da rapariga. Já solto, levei-o até à superficie. Nadei com alguma dificuldade até à beira duma rocha, transportando o seu corpo leve.

Senti-me ser agarrada e queria debater-me mas não tinha forças para isso. Porquê? Porque é que tinha que passar alguém neste preciso momento e ver o que eu estava a fazer? Deixei-me estar muito quietinha e não mexi um músculo. Tentei abrir os olhos mas acabei por perder os sentidos.

Finalmente consegui alcançar um ramo duma árvore, segurando-me no mesmo e fazendo força para chegarmos a terra. Coloquei-a na relva e vi que estava inconsciente. Arregaçei as mangas da minha sweat e preprarei-me para lhe fazer respiração boca-a-boca. Pressionei-lhe o tórax enquanto intervalava as invenstidas nos seus lábios, procurando ter algum tipo de resposta.

Não sei por quanto tempo estive sem sentidos mas consegui sentir o ar voltar a entrar-me pelos pulmões. Impulsionei a minha cabeça para a frente e cuspi toda a água que estava instalada nos meus pulmões. Deitei a cabeça de novo quando deitei tudo o que tinha a deitar cá para fora e deixei o meu corpo dormente e gelado repousar na relva.

Olhei-a e engoli em seco.
- Estás bem? - perguntei continuando na faceta de reservado. Aliviei a minha expressão ao lembrar-me que tinha acabado de salvar alguém-

-Ótima. - respondi secamente olhando para o rapaz com uma expressão que me intrigou - Podias ter-me deixado estar quieta. - sentei-me na relva e alcancei as minhas roupas para ver se o frio dispersava um bocado.

Cerrei o punho ao ver o seu desagrado ao tê-la salvo.
- Ainda bem - levantei-me, sacudindo a relva das minhas roupas. - Para a próxima deixo-te lá - cerrei os dentes e decidi ir embora.

Enfiei a minha camisola larga arrepiando-me toda ao sentir o quente finalmente chegar.
-Ya, se calhar devias ter deixado. - levantei-me do chão e vesti as calças - Adeus estranho. - encostei-me a uma árvore a calçar as minhas botas.

Abanei a cabeça, um pouco impressionado com a sua forma de ser.
- De nada - disse propositamente, deixando a lembrança de que não me agradeceu depois do feito. - Não precisas de ter o incómodo de te despedires de mim - informei.

-Não te vou agradecer por uma coisa que não queria que fosse feita. - manti sempre o meu tom de voz distante - Não é incómodo nenhum. - encolhi os ombros despreocupadamente. Desencostei-me da árvore e nesse preciso momento vi tudo à roda e o chão a fugir-me dos pés. Não, agora não.

Voltei-me para trás.
- Mas sabes, eu gosto que me agradeçam - atirei. Abri as narinas com a sua frase solta e os meus pés retomaram o cminho que outrora seguiam, mas o meu tronco fez força para o lado contrário e foi ai que a vi desamparada. - Então ainda queres ajuda? - perguntei indo, sem pressas, ter com ela.

Queria dar-lhe uma boa resposta mas não tive forças nem vontade para o fazer. Caí sob o seu corpo quando se aproximou de mim e agarrei-me com força ao tecido da sua camisola - Os meus comprimidos. - falei a custo - Se não os tomar vou entrar em paragem. - comecei a tossir desalmadamente.

Agarrei-a nos braços e procurei pelo seu pedido.
. Onde é que eles estão? - remexi os seus bolsos encontrando-os finalmente. Parti um, ficando em pó, visto que não tinha água para os tomar. Estendi-os para a sua boca.

Encolhi-me toda enquanto ele procurava dos comprimidos e queria facilitar-lhe a busca mas não consegui falar mais. Abri a boca quado mo estendeu e engoli-o logo respirando fundo várias vezes e esperando que fizesse efeito.

Continuei a amapará-la.
. Já passou? - perguntei. Dois salvamentos numa tarde, já estava a começar a dar demasiado nas vistas. - Parece que vais ter de me agradecer mesmo - acabei por dizer quando a vi num melhor estado. - A não ser que não querias que te salvasse desta vez.. - ponderei.

-Está calado estúpido. - respondi-lhe assim que consegui finalmente falar. Afastei-me dele recuando e escondendo as duas mãos atrás das costas - Obrigada. - agradeci contrariada. Raio do rapaz, que já me estava a dar dores de cabeça.

Sorri vitorioso.
- Ah deixa lá - sacudi uma mão. - Não precisas de agradecer - encolhi os ombros com o mesmo sorriso. - Agora vou ter de ir - disse. - Adeus estranha - acenei.

-A sério? - semicerrei os olhos - Quase que me obrigaste a dizer obrigada e agora dizes que não é preciso? - olhei-o incrédula - Chalado. - resmunguei entre dentes - Adeus estranho. - deitei-lhe a língua de fora assim que se virou de costas para mim.

Sorri-lhe. - Bizarra - chamei igualmente. Segui até ao meu carro e entrei no mesmo. Fiquei a observá-la, para ver se repetia a estupidez. Quando vi que já não iria acontecer nada liguei o carro e conduzi até ao campo. Decidi ficar aqui um tempo, não era mau de todo.