Rua

Virei-me completamente para a janela para estar de costas para ele. - É.. - voltei a abanar-me e respirei fundo várias vezes - É o Tyler. - disse baixinho.

Levantei uma sobrancelha com o que ela disse e abanei a cabeça.
-Não, ele chama-se Chester - coloquei-me à frente dela.
-É isso mesmo, chamo-me Chester - olhei para ele que também a olhava atrás dela.

Abanei a cabeça várias vezes e virei-me de frente para eles - Eu acho que ainda sei quando um ex namorado quase me mata duas vezes. - olhei para o Tyler - Pára com isso. Tu sabes bem o que me fizeste. Que teatro é esse agora?

Passei a mão pela testa e sentei-me sem saber o que fazer.
-Eu conheço-o desde que nasci, a minha mãe e a dele são amigas, ele chama-se Chester, não é Tyler - engoli em seco.
-Yes, Chester - assentiu com a cabeça sentando-se ao meu lado.

Dei uma gargalhada - Por amor de deus. A sério? - dei a volta à mala à procura do meu telemóvel. Diz que ainda não apaguei a fotografia. Diz que ainda não apaguei a fotografia. Atirei o telemóvel ao Kev, com uma fotografia que tinha tirado em Londres no verão passado. Eu, a Carol e o Tyler. Antes de eles.. antes de tudo.

Agarrei no telemóvel enquanto a olhava e quando os meus olhos embateram numa foto com eles os dois mais outra rapariga. Engoli em seco e olhei para Chester, ou Tyler ou... não sei.
-Esse não sou eu, olha o cabelo - disse ele passando a mão pelo cabelo e sorrindo. - Eu não sou o Tyler - disse ele encostando-se à cadeira a olhar para Ruby.

Cerrei os dentes e olhei para ele - Tyler, deixa-te de merdas. - disse a ficar irritada. - Admite de uma vez! Não sei porque raio é que andas para ai com dois nomes, agora não finjas que não sabes quem eu sou e muito menos finjas que nada daquilo aconteceu. - olhei de novo e dei uma gargalhada - Era muito bom se o acidente te tivesse deixado com amnésia mas pelos vistos estás completamente saudável.

-Ruby, ele não anda com dois nomes, eu conheço-o! - olhei-a com os olhos muito abertos, talvez... não. Também não podia pensar assim. Olhei para Chester. Eu conhecia-o mesmo antes de me lembrar, nascemos no mesmo mês, apenas ele era duas semanas mais velho que eu, as nossas mães são super amigas e ele não fazia mal a uma mosca. - Se este é o Tyler então tudo...
-É uma mentira - Chester olhou para ela irritado e eu também a olhei suspirando. Isto estava a ir por água a baixo, estava a ir tudo por água abaixo novamente. Porque é que eu não podia ter um relacionamento normal, nem como amigo? Abanei a cabeça na direcção de Ruby.
-Ele não faz mal a uma mosca.

Voltei a rir-me secamente - Claro que não. Porque eu sou maluca e só por acaso ando com uma fotografia dele no meu telemóvel. - encolhi os ombros - Uma coisa normalissima de se ter com uma pessoa que não se conhece de lado nenhum. - apontei para o Tyler - Ele foi para Londres. Tu sabes o que é que ele andou a fazer quando esteve lá? Estavas lá para ver? Pois também acho que não. - disse irritada. Não sabia se o que me deixava mais magoada: ele não gostar de mim também, ou não acreditar em mim. Pois, se calhar as duas coisas juntas.

Comecei a ficar demasiado confuso, já não sabia como e que devia lidar com a situação e os barulhos das recordações irritavam-me a cada segundo.
-Parem os dois - disse quando Chester começou a defender-se. - Ruby, eu conheço-o à dezoito anos, só não o vejo desde os dezasseis, uma pessoa não muda tanto ao ponto de bater noutra assim do nada.

- Claro que não mudava. - tirei uma nota da mala para pagar a nossa comida - Eu disse que pagava. - peguei na mala e levantei-me - Espero que fiquem os dois muito felizes mais a mentirinha que gostas de lhe contar. - disse apontando para o Tyler e depois para o Kev - E tu - olhei para o Kev - Quero a chave do meu quarto.

Olhei para a nota quando ela pousou. Eu não trabalhava bem com pressão e eles estavam a confundir. Fechei os olhos passando as mãos pelas bochechas quando se levantou e abanei a cabeça.
-Não faças isso Ruby, este não é o Tyler - disse-lhe apontando para ele, Chester apenas encolheu os ombros. Abanei e olhei para o meu copo - não tenho nada aqui, só a carteira.

- Já estou a fazer. Lamento se não acreditas em mim, mas tal como tu disseste, eu não estou maluca. - olhei para o Tyler - E sei muito bem quem ele é. Quero a minha chave. Levas ao quarto e depois podes ir à tua vida à vontade. - virei-lhe as costas e sai. Peguei na trela do cookie que se pôs a ladrar à janela e voltei para o camp.

Fiquei a olhar para a porta assim que ela saiu e depois olhei para Chester. Ele encolheu os ombros com a cerveja que tinha pedido na mão. A foto não me tinha saído da cabeça, era ele, mas como? Ele chamava-se Chester, ele perdia em todas as lutas, ele nem sequer parecia muito forte, eu conhecia-o.
-Não te preocupes, aquilo passa-lhe - disse mais qualquer coisa mas eu levantei-me indo embora.

Lista de coisas que tinha antes do acidente:
Um irmão, uma namorada, amor para mim, amor para eles, um carro fixe.
Lista de coisas que tinha durante o acidente e coma:
Sangue, dor por todo o lado, um buraco no crânio, namorada desfigurada e morta, irmão trespassado e morto, paraíso no coma.
Lista de coisas que tinha depois de acordar:
Ninguém, pesadelos, memórias, fiquei a observar durante horas a minha mãe e a tentar imitar a forma de ela não se importar com as coisas ou pessoas.
Lista de coisas que tinha depois de conhecer a Sam:
Sam e Jack
Lista de coisas que tinha depois de conhecer a Ruby:
Ruby e Cookie, finalmente um sentimento parecido ao que senti antes: "amor para mim, amor para eles"
Lista de coisas que perdi por causa do Chester/Tyler:
Tudo.
Sentei-me num banco improvisado, porque no fundo era apenas um caixote e encostei a cabeça à parede batendo vezes e vezes sem conta nela. Não valia a pena tentar ter amnésia, tive um buraco no crânio durante metade do meu coma, que durou seis e isso não me fez esquecer nada, nem a dor. Pois, se calhar fazia-me lembrar era mais o sentimento.
-Não! Cyn, Cyn, fala comigo - abanei a cabeça e puxei os cabelos engolindo em seco. - Pára. - pedi a mim mesmo.
-Eu odeio-te. Eu odeio-te tanto. - levantei-me andando de um lado para o outro enquanto abanava a cabeça. Eu ia dar em louco, se é que já não estava. Eu não conseguia mais. Não consigo. Não dá.
-Sai daqui
- Tu não és meu irmão.
-NÃO - bati com a testa na parede encostando-me a ela enquanto soluçava. Eu não tinha nada. Nada mesmo. Não tinha ninguém a quem contar o que sentia. Eu tinha estragado tudo e agora por mais que quisesse recomeçar ou até mesmo tentar aliviar os danos não ia dar, porque eu ia acreditar sempre que o Chester era ainda o meu melhor amigo que eu conhecia desde puto. Por causa disso! Só por causa disso. Eu não tive muita noção do que fiz, mas quando vi os meus dois braços rasgados desde o antebraço até ao pulso e depois senti uma dor estonteante que indicava que eram bem profundos, que me fez escorregar, eu apenas não consegui reagir. Gemi baixinho com a dor e atirei a faca que tinha na mala com a minha roupa para o chão e olhei para o sangue que saía. Eu ia morrer, desta vez era certo, eu ia morrer. Não me sentia muito mal com isso, eu já estava podre por dentro quando caí em coma, isto era só a coisa mais certa que me tinha feito. Ouvi um barulho e fiz um esforço para me levantar. Não queria que ninguém me encontrasse desta vez. Deixei a minha mala com tudo, já que não ia precisar e comecei a andar pelos becos mais escondidos daquele sítio enquanto a minha cabeça latejava. Nem tentei impedir de a deixar passar algumas imagens, o meu corpo já me estava a deixar de obedecer. Finalmente, daqui a poucos minutos, eu ia-me embora.

Dei um chuto nas mantas que me tapavam e olhei para o tecto. Aquele não era o meu quarto e odiava estar ali, mas estar no meu quarto era ainda mais horrivel. Os meus pais tinham voltado a tratar-me como se fosse uma boneca de vidro que não pode fazer nada, tal como tinham tratado depois da história do Tyler. A Lilly dizia que nem queria ouvir falar do Kevin Grant, como lhe chamava agora.
Eu tinha-me fartado de tudo aquilo. Simplesmente estava farta de ser a Ruby querida e estúpida que sofria sempre, estava na altura de mudar. Comecei a sair à noite, sozinha, e a falar com vários rapazes, mas não conseguia fazer mais nada. Era irritante porque sempre que tentava mais alguma coisa lembrava-me dele. Uma vez tinha chegado a beijar um rapaz chamado John mas como continuava a pensar dele, desisti e voltei para casa.
Também tinha ficado mais fria e respondona, mas não conseguia ser assim com a minha família.. só para os outros. E tinha deixado de parecer uma sem abrigo que tinha passado dias na cama a chorar, e voltava a parecer decentemente.
- Vou dar uma volta. - disse aos meus pais e a Lilly apareceu para se agarrar às minhas pernas - Depois vais está bem? Agora apetece-me ficar sozinha..
Fechei a porta e fui dar uma volta. Quando dei por mim estava no beco onde tinha estado encostada à parede a olhar para o telemóvel depois do Tyler me ligar. E onde o tinha visto pela primeira vez..
Vi uma mala no chão e fiz uma careta. Abri a mala para ver se tinha alguma coisa que identificasse o dono e parei quando vi uns cartões com o nome Kevin Brief Grant. Ele estava ali perto. Continuei a andar até o ver a andar aos tropeções. - Kevin? - perguntei. Mantém-te fria. Não voltes ao que eras antes.

Aquela m**** tinha começado a arder e eu nem conseguia andar muito mais rápido e só conseguia ouvir passos porque o beco fazia barulho a dobrar. Senti o meu coração, e talvez o meu corpo dar um salto quando ouvi a voz dela. Cenas da cabeça, cenas da cabeça, ela não está.

Revirei os olhos quando ele continuou a andar. Era tão burra meu deus. Devia deixa-lo ir à vidinha dele. Devia ter andando outra vez nas drogas, se calhar depois de uma festa com o Tyler. Alguém o ia encontrar tal como eu tinha feito antes. Isso ou o amiguinho dele aparecia para lhe salvar o dia. - A tua mala está aqui. - disse fria - Pelo menos podias não a deixar na rua, a não ser que não te importes. - andei até ele para lhe dar a mala e depois ir embora. Não queria mais nada a ver com ele. Era entregar e partir.

Virei-me para trás, só para a ver. Porque é que ela estava ali? Outra vez quero eu dizer, porque é que ela aparecia sempre nestes momentos? Era o que eu dizia, ela era um anjo, mas desta vez não, eu não ia deixar. Olhei para a minha mala e neguei com a cabeça.
-Eu não me importo mesmo.

Parei quando ele se virou para mim e levei a mão para tapar a boca quando vi os braços dele cortados, de alto a baixo. - O que é que tu fizeste? - disse entredentes. Não demonstres que estás a morrer de preocupação por ele. Simplesmente continua a fingir que não é nada.

-A repetir sem drogas e sem ti - sorri levemente encostando-me à parede antes que fizesse figura de otário e caísse, - Eu não me importo mesmo - repeti, olhei para os olhos dela, ela parecia estar tão diferente, eu tinha mesmo feito asneira, cada vez me dava mais razões para ter feito isto - estou a morrer.

Olhei para ele, cerrando mais os dentes enquanto ele sorria como se tivesse andando a jogar um jogo e não a cortar-se. Deixei cair a mala no chão e fui até ele. Bati-lhe com força no peito, com os punhos quando não aguentei manter-me fria - Tu prometeste que não te magoavas mais! - gritei-lhe sentindo as lágrimas a cair pelas minhas bochechas - És um mentiroso!

Gemi quando começou a dar-me murros no peito e caí sentindo a minha bochecha a escorregar pela sua perna.
-Tu não te importas - engoli em seco. A minha cabeça doía tanto, porque é que não desmaiava de vez? - E eu não sou um mentiroso quando digo que...

Cai de joelhos ao lado dele e abri a mala. Estava cheia de roupa, felizmente. Peguei numa t-shirt e coloquei-a à volta de um dos braços para estacar o sangue. Fiz o mesmo no outro de seguida. O meu pai era médico e por isso sabia estas coisas.. Limpei as bochechas com o braço mas continuava a chorar - Se não me importasse tinha deixado que morresses aqui. E podia já ter-te deixado morrer antes. - peguei no telemóvel e liguei para o 911. - Disseste que não te magoavas mais. - olhei-o enquanto continuava a chorar.

Abanei a cabeça com o que ela estava a fazer.
-Não... não faças isso.. não - pedi tirando uma das minhas camisolas, segurei-lhe na bochecha e olhei para os seus lábios, eles eram tão lindos até quando eu já não via bem - Tu... - tentei falar, mas parecia uma pedra, os meus músculos estavam a começar a ficar tão rijos e flectidos que doíam. - Tu... - voltei a tentar - ainda me amas? - senti os meus lábios roçarem-se na sua bochecha.

Voltei a colocar a camisola à volta do braço dele - Pára quieto. - se ele morresse... nem queria pensar... Olhei-o enquanto me olhava para os lábios e tentava falar. Fechei os olhos quando senti os lábios dele a roçar na minha bochecha e comecei a chorar mais quando ouvi a pergunta dele. Assenti com a cabeça e abri os olhos - Sim. Sim, eu ainda te amo. - agarrei-me ale e num abraço apertado e voltei a assentir - Sim.

-Não, pára tu - pedi afastando as camisolas e sentindo o seu cheirinho. Ela cheirava tão bem e agora até parecia que cheirava melhor. Sorri quando ouvi o que ela disse e assenti encostando-me mais a ela. - Eu também. - olhei para ela durante uns segundos até sentir os meus olhos pesarem.

A vontade de chorar tornou-se maior quando ele disse 'eu também'. - Não te vou deixar morrer. - voltei a pôr as camisolas. Ele não era mais teimoso que eu. - Kev, não morras... por favor.. - pedi baixinho quando o vi fechar os olhos e voltei a abraça-lo.

Abri os olhos novamente e não a consegui impedir de tirar aquelas porcarias do meu braço.
Ela não percebia que eu só fazia m****? Eu não queria mais nada, não conseguia reconquistar coisas e voltar a perde-las. Outra vez não. Quando caí no sono, não foi como da última vez, foi mau, muito mau.

- Kev? - comecei a entrar em pânico. A ambulância nunca mais vinha? - KEV! - gritei enquanto lhe dava estalos na cara. - Não, não não! - deitei-o com cuidado na estrada e deixei-me estar sentada ao lado dele. Agarrei-lhe numa das mãos e encostei a cara aos joelhos. Ele não podia morrer. Eu amava-o e ele tinha dito que também.. ele não podia..
Quando a ambulância chegou e os paramédicos trouxeram a maca, foi como se eu não estivesse ali. Afastaram-me dele e olhei para a parede, de costar para a ambulância enquanto olhava para o chão e chorava.